sexta-feira, outubro 23, 2009

No Direction Home

A gente sempre precisa de um tempo para entender certas coisas na vida, e muitas talvez a gente nunca entenda. Especialmente quando essas coisas estão relacionadas a arte. Por isso tenho alguns livros na minha estante que levo anos para ler, ou filmes que enrolo e enrolo até finalmente colocar no topo da minha lista do Netflix. Ainda não chegou o momento certo de assistí-los, ainda não estou pronta para eles. Tudo na vida é uma questão de timming, o aprendizado também.
As vezes você ainda não está pronto para entender em toda a sua amplitude um determinado assunto ou sentimento. Principalmente o sentimento. As vezes você até passa uma vida inteira não entendendo uma determinada decisão que você tomou, ou que sentimentos te dominavam num determinado momento de insanidade. As vezes a gente entende, as vezes não.
Mas a sua experiência de vida vai se acumulando e você acaba aproveitando mais alguns momentos, alguns gostos, algumas travessuras, algumas pesssoas, alguns livros e alguns filmes. Por que você entende tudo isso com mais profundidade. Aconteceu recentemente comigo quando assisti ao filme "The Curious Case of Benjamin Button" e acabei procurando o roteiro pra ler. Fiquei impressionada como me conectei com o filme, com a maneira como o roteiro foi escrito, todas as metáforas, o que cada personagem representa de fato.
A linda poesia do amor de Benjamin e Daisy. Ela nasce jovem e ele velho. A cada dia que passa ele rejuvenesce e ela vive o curso natural da vida. Os dois vivem muitos encontros e desencontros por causa disso e um tanto número de rejeições até finalmente conseguirem ficar juntos, até se concretizar o grande encontro mágico no meio do caminho da vida dos dois. No meio do caminho. Enquanto Benjamin continuava ficando cada dia mais jovem e Daisy cada dia mais velha.
É claro que a separação dos dois é iminente na história. O amor não foi feito para eles e não há nada a se fazer quando a vida decidiu não te dar uma chance. Para eles sempre foi tarde demais. A separação vai ficando cada dia mais paupável para Benjamin quando ele e Daisy acabam tendo uma filha juntos, uma menina, Caroline. Ele está ficando cada dia mais jovem e uma hora ele vai virar um bebê novamente e Daisy não pode cuidar de duas crianças ao mesmo tempo. Então Benjamin decide ir embora, para dar uma chance a Daisy de encontrar um homem que fosse capaz de dar para ambas a família que ele nunca seria capaz. Quem sabe assim ela ainda tivesse uma chance de ser feliz.
Entre tantas cenas cheias de poesia uma em especial me emocionou demais ao ler as páginas do roteiro e eu resolvi transcrevê-la aqui. A última carta que Benjamin deixou para a sua filha Caroline e que depois dela não se soube mais do paradeiro dele. Talvez quem sabe pensando nos próprios erros que ele cometeu, nas próprias decisões que ele faria de novo se tivesse mais tempo.

252A. AROUND THE WORLD
And Benjamin's voice comes in... WHILE WE SEE HIM IN VARIOUS PLACES ALL OVER THE WORLD, A MONTAGE, A FILM WITHIN THE FILM, OF THE ROAD HE'S TAKEN...
benjamin button's (V.O.)
"... what I think is, it's never too late...
or, in my case, too early, to be whom you want to be...
There's no time limit, start anytime you want...
change or stay the same... there aren't any rules...
we can make the best or worst of it... I hope you make the best...
I hope you see things that startle you.
Feel things you never felt before.
I hope you meet people who have a different point of view.
I hope you challenge yourself.
I hope you stumble, and pick yourself up.
I hope you live the life you wanted to...
and if you haven't I hope you start all over again..."
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No começo do filme Daisy, no seu leito de morte, conta para a filha Caroline a história do melhor relojoeiro de todo o mundo, que perdeu o único filho prematuramente. Ele foi contratado para construir um relógio em uma linda estação de trem na cidade. O relojoeiro passou anos e anos da sua vida construindo o "mais lindo relógio em todo o mundo". Todas as pessoas da cidade foram ver o dia em que o relógio seria ligado na estação pela primeira vez. O relojoeiro estava lá, e quando ligaram o relógio ele começou a girar ao contrário.
Todos ficaram chocados com a falha do artista do tempo, como um relojoeiro de tanto renome poderia cometer um erro assim? E então ele revelou: Eu construí esse relógio com a esperança de que ele trouxesse de volta todo o tempo perdido, e então assim tantos jovens que perderam a sua vida prematuramente pudessem voltar pra casa para serem felizes, para se apaixonarem, para viverem suas vidas.
Quem sabe o relógio, ao girar ao contrário, consiga voltar no tempo e assim todos aqueles que foram privados de viver, possam ter uma segunda chance.
Nunca mais se soube do relojoeiro depois da inauguração do relógio. Mas a sua obra permaneceu pendurada na estação de trem, contando o tempo ao contrário a cada dia, em nome daqueles que tiveram o seu tempo perdido.
Eu realmente espero que a gente esteja vivendo a vida que escolheu e se não a queremos mais, espero que a gente tenha forças pra começar de novo, mesmo que seja do começo, mesmo que seja "tarde demais", mesmo que seja incerto, mas se for verdadeiro, deixe ser, e que a gente se deixe viver.

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